Dicas para delimitação de parágrafo

greek words

por João Nelson (seminarista na Escola Teológica Charles Spurgeon)

Trabalhar como exegese é trabalhar com um discurso estruturado dentro de limites que definem sua organização, o que conceituamos como parágrafo. Porter em De Hoop, Korpel e Porter (2009, p. 176), citando Pike e Pike (1977), discutem que para esses autores, precursores do estudo do parágrafo, a definição é dada essencialmente em termos sintáticos. Diferentemente, Levinsohn (2000, p. 271) define parágrafo como sendo uma unidade semântica ou pragmática, caracterizada pela presença de um único tema. Além disso, Crystal (2001, apud Porter em De HOOP, KORPEL e PORTER, 2009, p. 177) afirma que a função do parágrafo é mostrar ao leitor que sentenças em particular estão mais intimamente relacionadas entre si do que sentenças adjacentes ao texto, o que implica uma estrutura com coerência e coesão.

Pasquale (2011, p. 10) define que um texto é coerente quando “[…] é possível perceber sentido entre os diversos segmentos que o compõem. A coerência faz do texto uma unidade harmônica em que todas as partes se complementam para evitar a contradição e a perda de nexo”. Para Dooley e Levinsohn (2000, p. 11), um texto é coerente quando um ouvinte ou leitor consegue estabelecer numa única representação mental geral os diferentes elementos de um texto. Confluindo os autores, podemos evidenciar que a coerência é um processo mental onde a mensagem do texto é mentalmente idealizada pelo leitor ou ouvinte de modo unido e com sentido. Para isso, o escritor/narrador se utiliza de ferramentas para facilitar esse processo coesivo e tornar mais fácil o entendimento do leitor/ouvinte; isto é conceituado pelos gramáticos como coesão.

Dooley e Levinsohn (2000, p. 13) definem coesão como o uso de meios linguísticos para estabelecer coerência. Pasquale (2011, p. 12) esclarece melhor essa definição quando afirma que “a coesão é responsável pela correta relação entre as palavras de uma frase, entre as frases de um parágrafo e entre os parágrafos de um texto”. Dooley e Levinsohn (2000, p. 13) citam que os elementos de identidade[1], as relações lexicais[2] e os padrões morfossintáticos[3] caracterizam os tipos mais comuns de coesão textual.

Levinsohn (2000, p. 7) ressalta a importância dos elementos topicalizantes como ferramentas para sinalizar descontinuidades no discurso. Ele define estes elementos como sendo elementos que são colocados no início de uma cláusula ou sentença, desempenhando uma dupla função: prover um ponto de partida para a comunicação e ancorar coesivamente a cláusula seguinte a algo que já fora anteriormente citado no contexto. Levinsohn (2000, p. 5) argumenta ainda que, em gêneros não-narrativos, os parâmetros de situação[4], referência[5] e ação[6] também ajudam na observação de continuidades e descontinuidades entre textos. Todavia, Levinsohn (2000, p. 271) ressalta que, no fim, a delimitação da unidade textual – parágrafo – é evidenciada pela presença de um único tema, haja vista o parágrafo ser uma unidade semântica ou pragmática, não por apresentar certas características de superfície (mesmo estas, como os elementos topicalizantes, serem importantes na ajuda dessa delimitação).

Porter em De Hoop, Korpel e Porter (2009, p.180-182), após analisar propostas diferentes, estabelece que um parágrafo é composto por conjunções e partículas (iniciais e finais), além de referentes espaciais e temporais, coesão e segmentação; participantes, referência completa, pronomes e anáforas; ordem das palavras e distância referencial; tópico; tema; e tipos literários de texto.

[1] Repetição (total ou parcial), substituição lexical, pronomes, outras pró-formas (como verbos de ação, e.g. “fazer”), substituição e elipses.

[2] Hipônimo, parte-todo e colocação.

[3] Consistência ou coerência das categorias flexionais (forma-verbal, aspecto, etc.), enunciados ecoicos e estruturação discurso-pragmático (e.g. elementos topicalizantes ou ponto-de-partida).

[4] Continuidade ou descontinuidade tempo, lugar, condições, circunstâncias, e premissas (tipicamente associado com advérbios).

[5] Continuidade ou descontinuidade de participantes e tópicos (muitas vezes associado aos nomes).

[6] Associado primariamente a questões de desenvolvimento temporal sequencial no parágrafo temático.

REFERÊNCIAS

DOOLEY, R.; LEVINSOHN, S. Analyzing Discourse: A manual of basic concepts. Dallas: SIL International, 2000.

LEVINSOHN, S. Discourse Features of New Testament Greek: A Coursebook on the Information Structure of New Testament Greek. Dallas: SIL International, 2000.

PASQUALE, C. Coleção Professor Pasquale explica: redação. Barueri: Gold Editora, 2011.

PORTER, S. Pericope Markers and the Paragraph: Textual and Linguistic Implications. In De HOOP, R.; KORPEL, M.; PORTER, S (Orgs.). The impact of unit delimitation on exegeses. Leiden: Brill, 2009.

Os usos comuns de ὅτι: um guia para iniciantes

greek words

Autor: Rodney Decker¹

Tradução: João Nelson ²


Um bom lugar para começarmos nossa descoberta de ὅτι é em um léxico. Essa discussão assume que você está usando o Trenchard’s Concise Adicionar of NT Greek, mas qualquer outro léxico (incluindo BDAG³) conterá informações semelhantes. Observe esses pontos para que você possa começar seu estudo de ὅτι:

Primeiro, ὅτι é uma conjunção; ainda que o léxico não lhe diga isto, ὅτι é uma conjunção subordinada. Entre outras coisas, isso significa que a afirmação principal (ou o verbo principal) não se encontra na sentença onde ὅτι está (A sentença com ὅτι terá um verbo, apenas não será o verbo principal do discurso).

Segundo, há uma variedade de traduções possíveis. Possivelmente, as três mais comuns são “que” (that), “porque/pois” (because/for), e “  (aspas) [i.e., marcadores de citação]. Explicações em cada um são apresentadas mais a frente.

Terceiro, esta é uma palavra muito comum: observe a frequência que ela ocorre no: 1.296 vezes no Novo Testamento. Isto significa que você realmente deverá dominar a maior parte dos usos de ὅτι. As diferenças são significativas e terão importantes ramificações em como você irá entender as sentenças em que ὅτι aparece.

Aqui seguem alguns exemplos seguidos de algumas notas explanatórias acerca de cada um dos três principais significados de ὅτι (alguns dos versos citados foram simplificados para ajudar a focar na sentença em que ὅτι está).

1. ὅτι pode ser utilizado para introduzir uma sentença que funciona como um substantivo. Isto quer dizer que toda a sentença atua – toma o lugar de – como um nome. Quando isto acontece, é usualmente melhor traduzir ὅτι como “que” (that). Veja alguns exemplos:

  • a) Mark 8:31: ἤρξατο διδάσκειν αὐτοὺς ὅτι δεῖ τὸν υἱὸν τοῦ ἀνθρώπου πολλὰ παθεῖν. “Ele começou a ensinar a eles que o filho do homem deve sofrer muitas coisas”.

Aqui, a sentença com ὅτι funciona como objeto direto de “começou a ensinar”. O que ele ensinou? Não matemática, mas que, de fato, o filho do homem deve sofrer muitas coisas.

“Ele começou” é ἤρξατο e a palavra é seguida por um infinitivo complementário que completa a ideia do verbo – “começou a ensinar o quê?” >começou a ensinar (διδάσκειν > presente, ativo, infinitivo. διδάσκω).

  • b) 1 João 1.5: ἔστιν αὕτη ἡ ἀγγελία ὅτι ὁ θεὸς φῶς ἐστιν. “Esta é a mensagem, que Deus é luz”.

A sentença com ὅτι fornece o conteúdo da mensagem.

2. Outras vezes ὅτι explica o que fez com que algo aconteça, a razão para a instrução na sentença principal – também chamado de ὅτι causal ou ὅτι adverbial. Quando isto acontece você traduz ὅτι por “porque” ou “pois” (because or for).

  • a) Efésios 4.25: λαλεῖτε ἀλήθειαν, ὅτι ἐσμὲν ἀλλήλων μέλη. “Falem a verdade, porque somos membros uns dos outros”.

A razão porque devemos falar a verdade com nossos irmãos crentes (que é o ponto do contexto aqui) é que “nós somos membros uns dos outros” (λαλεῖτε é um imperativo: falem!).

  • b) Atos 10.38: διῆλθεν εὐεργετῶν, ὅτι ὁ θεὸς ἦν μετ’ αὐτοῦ. “Ele andou fazendo o bem, porque Deus era com ele”.

3.a. Discurso direto

Sempre há um verbo de fala quando ὅτι introduz discurso direto (tecnicamente é um verbo de percepção, uma vez que também pode introduzir uma afirmação do que alguém está pensando mesmo não tendo dito em voz alta). Se os editores do Novo Testamento Grego são consistentes (eles nem sempre são!), a palavra seguindo ὅτι (i.e., a primeira palavra da citação direta) estará sempre em caixa alta (essa é uma ótima cola para o discurso direto).

  • a) Marcos 1.37: λέγουσιν αὐτῷ ὅτι Πάντες ζητοῦσίν σε. “Eles disseram a ele, “Todos te procuram””.

No discurso indireto não é usada nenhuma palavra para traduzir ὅτι. Em português, as marcas de citação – aspas (“ ”) – representam o ὅτι. É errado usar as marcas de citação – aspas – e “que” (that) ao mesmo tempo (e.g., “… disseram que “Todos te procuram””).

  • b) Marcos 9.31: ἐδίδασκεν γὰρ τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ καὶ ἔλεγεν αὐτοῖς ὅτι Ὁ υἱὸς τοῦ ἀνθρώπου παραδίδοται εἰς χεῖρας ἀνθρώπω. “Pois ele estava ensinando os seus discípulos e dizendo a eles, “O filho do homem será entregue nas mãos dos homens””.

3.b. Discurso indireto

Este envolve discurso indireto (ou pensamento) muitas vezes resumido, não uma afirmação direta. ὅτι é traduzido com “que” (that) neste caso. Não use marcações de citação para o discurso indireto.

  • a) Marcos 2.1: ἠκούσθη ὅτι ἐν οἴκῳ ἐστίν. “Foi ouvido que ele estava na casa”.

A afirmação original pode ter sido o equivalente de, “Ele está na casa”. Ou pode ser uma simples afirmação resumida do que o povo estava dizendo, ainda que ninguém tenha usado especificamente essas palavras.

  • b) João 5.15: ὁ ἄνθρωπος ἀνήγγειλεν τοῖς Ἰουδαίοις ὅτι Ἰησοῦς ἐστιν ὁ ποιήσας αὐτὸν ὑγιῆ. “O homem anunciou aos judeus que foi Jesus que o curara”.

A afirmação original pode ter sido o equivalente de, “Jesus me curou”. Ou pode ser simplesmente uma afirmação resumida do que ele disse. Observe que não pode ser um discurso direto porque o homem não disse, “Jesus foi aquele que curou ele”.

Há muitos outros usos dessa conjunção, mas esses ocorrem com bem menor frequência do que os três principais usos citados no presente texto. Planeje agora para ter tempo para estudar cuidadosamente o BDAG³ para preencher os usos adicionais dessa conjunção.


¹ Dr. Rodney Decker serve como professor no BBS desde 1996. Autor do livro Temporal Deixis of the Greek Verb e Koine Greek Reader. Ele publicou certa quantidade de pequenos livros e artigos editados por outros, bem como artigos acadêmicos no Trinity Journal, Bibliotheca Sacra, Grace Theological Journal, Themelios, Detroit Baptist Seminary Journal, e Journal of Ministry and Theology. Ele edita e mantém o site de estudo bíblico http://www.NTResources.com.

² João Nelson é Licenciado Pleno em Educação Física pela Universidade Estadual do Ceará, Pós-graduando em Atividade Física e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará, e Seminarista no Curso Livre de Teologia (equivalente ao bacharelado) na Escola Teológica Charles Spurgeon.

³ A Greek–English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature Third Edition. Editado e revisado por Frederick William Danker.

A importância da Hermenêutica Bíblica – Parte 2

hermeneutica

Segue a segunda parte do artigo do Rev Augustus Nicodemus sobre a importância da hermenêutica.

Autor: Augustus Nicodemus

Fonte: http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=156


Tendo falado da necessidade e da importância da hermenêutica, deixe-me mencionar alguns aspectos dos seus princípios fundamentais: 1. o aspecto pneumatológico; 2. o aspecto teológico; 3. o aspecto gramático.

Em primeiro lugar, tem-se o aspecto pneumatológico, ou seja, qual é o papel do Espírito Santo na hermenêutica. É claro que essa pergunta só tem relevância para quem acredita no Espírito Santo. Essa pergunta não tem a menor relevância fora dos círculos evangélicos em que o Espírito Santo é considerado apenas como uma mitologia dos escritores do Novo e do Antigo Testamento, como uma coisa criada por eles, ou simplesmente como uma personificação de uma força que procede de Deus. No entanto, para os protestantes históricos, que levam a Bíblia a sério, o Espírito Santo é a terceira pessoa da trindade, que foi dada pelo Pai à igreja para conduzi-la. O próprio Jesus disse que, quando o Espírito Santo vier, ele haverá de conduzir a toda a verdade e haverá de nos guiar e nos levar ao conhecimento dele. E aqui eu faria uma pergunta para começar, tendo em vista a seguinte situação. Se numa sala eu colocasse dez ateus que não acreditam em Deus, mas que são absolutamente bem versados em grego, hebraico, aramaico, história, arqueologia, sociologia, antropologia, literatura clássica, grego clássico, latim, pais da igreja — eles dominam completamente a Ciência da Religião, mas são ateus — e desse a eles o texto de 1Coríntios 15, quando Paulo diz: “o que farão os que se batizam pelos mortos”, para que eles interpretassem. E se, do mesmo modo, numa sala ao lado, eu colocasse dez irmãos, santos irmãos de Deus, homens de Deus, crentes, de oração, de jejum, mas que mal soubessem ler a Bíblia direito, e fizesse a mesma coisa dando a versão em português e fazendo a mesma pergunta sobre o texto de 1Coríntios 15, referente ao batismo pelos mortos. Quem vocês acham que é o grupo que terá melhor condição de dar a resposta correta?

Grande parte da interpretação e do trabalho da hermenêutica se resume à aplicação simples de regras e independe da espiritualidade da pessoa. É uma questão de aplicação de regras, é uma questão de gramática, é uma questão de sintaxe, é uma questão de comparação com outros textos, é uma questão de bom senso e, em grande parte, independe da espiritualidade. Todavia, ao dizer isso, nós não estamos negando o papel do Espírito Santo na compreensão das Escrituras. Na minha tradição (cristã reformada calvinista), quando nós falamos do papel do Espírito Santo na interpretação, nós entendemos que não é função do Espírito Santo transmitir ao intérprete conhecimento novo, mas fazer com que ele compreenda salvadoramente esse conteúdo. Será que jejum, oração e comunhão com Deus substituem o papel da gramática, do estudo do grego, da história, da arqueologia? Será que uma coisa substitui a outra? A julgar pela qualidade da pregação de alguns irmãos “espirituais”, eu diria que não. Afinal, boa parte da exegese e da interpretação é aplicação de regras, de normas, porque estamos lidando com um texto, e nós precisamos aplicar as regras dessa maneira. Todavia, como hermeneutas cristãos, o Espírito Santo não pode ser deixado de lado quando nós pensamos em nossa tarefa de interpretação do texto. Geralmente dividimos em três etapas a obra do Espírito em comunicar a verdade de Deus.

  • A primeira parte é chamada de revelação — que nós distinguimos das chamadas revelações pessoais, da direção pessoal, que alguns irmãos hoje reivindicam. A revelação a que me refiro aqui é a revelação das grandes verdades de Deus que formaram as Escrituras Sagradas. Nós dizemos que essa revelação é a atuação do Espírito Santo nos autores bíblicos, no ato de registrarem infalivelmente a palavra de Deus.
  • A segunda fase é a iluminação, momento em que o Espírito atua nos leitores esclarecendo as mentes para compreender a verdade revelada nas Escrituras de tal maneira que nós possamos recebê-la de coração e acreditar nela.
  • A terceira fase é a capacitação, momento em que o Espírito Santo capacita os pregadores para comunicar a mensagem que eles entenderam, abraçaram de todo o coração e creram salvadoramente.
    A atuação iluminadora do Espírito de Deus na interpretação das Escrituras é uma ação frequentemente ignorada por estudiosos comprometidos com o método histórico-crítico e seus pressupostos. Como resultado, o método histórico-crítico produziu pouca coisa que pudesse ser pregada, esvaziou púlpitos e igrejas, e, como vocês sabem, o liberalismo teológico “secou” igrejas protestantes na Europa.

Para os pregadores comprometidos com a autoridade da Escritura, a atuação do Espírito Santo deve ser levada em conta, considerando a natureza da mensagem bíblica e a situação de cegueira espiritual a qual o homem está sujeito. Todo estudo não deve ser feito à revelia da nossa comunhão com Deus.

O segundo aspecto é o teológico que também afeta a pregação e a compreensão. Eu começo com uma declaração que está totalmente pressuposta no livro (A espiral hermenêutica), a de que a hermenêutica é como uma espiral: “não existe interpretação neutra”. É um mito racionalista aquilo que eles chamam de exegese científica e é uma das coisas que eu considero desonesta dos proponentes do método histórico-crítico. Eles querem avançar esse método, considerando-o como um método científico. Com isso, querem dizer que é um método neutro, que exclui os pressupostos transcendentes — como se isso fosse possível.

Já se provou, já se sabe que a neutralidade científica é impossível em todas as áreas do conhecimento. Nós sempre somos guiados a ler a realidade dos textos a partir daquilo que nós cremos, das nossas pressuposições. Daí a importância da Teologia, ninguém pode se livrar da Teologia em hermenêutica.

O papel do pressuposto teológico sempre foi destacar que primeiro “creio e por isso sei”. Em nossos dias, vemos o abandono gradual dessa utopia racionalista de neutralidade e uma nova apreciação pelo envolvimento do intérprete na exegese. Na verdade, a igreja sempre disse isto: se a pessoa não crer, ela não vai entender a mensagem. Se nós tivermos os pressupostos teológicos corretos sobre Deus e as Escrituras, isso irá nos colocar numa posição em que melhor entenderemos a sua mensagem. Isso faz com que cristãos do mundo todo que possuem diferentes horizontes de compreensão, vindos de diferentes culturas, e que passaram por diferentes experiências consigam interpretar a Bíblia da mesma forma, a ponto de pregar a mesma mensagem.

O terceiro é o aspecto gramatical, a importância das línguas originais. Só com o conhecimento do português, nós perderemos eventualmente, determinados efeitos ou pontos que estão no grego, no hebraico e no aramaico que são difíceis de serem transmitidos na tradução. Por exemplo, os tempos do verbo hebraico, ou a qualidade de ação dos verbos gregos, o jogo de palavras que são similares no grego, o paralelismo da poesia hebraica.
Dessa forma, desejo dar alguns conselhos aos pregadores:

  • Primeiro, toda prática precisa de um fundamento teórico sólido. Os que abandonam o estudo sério da Bíblia e vão diretamente para a prática, cedo ou tarde, irão sentir falta de fundamentos teóricos e doutrinários.
  • Segundo, a palavra de Deus é o fundamento da prática missionária, do aconselhamento, do culto, do serviço cristão e, especialmente, da pregação.
  • Terceiro, como pastores e obreiros, deveríamos ser mais profissionais com aquilo que trabalhamos em nosso ministério.

Quero falar ainda, sobre gênero literário dentro do aspecto gramatical. O termo gênero significa tipo que se refere a diferentes formas, figuras de linguagem, estilos, que são empregados na comunicação escrita em geral.  Na Bíblia, nós temos vários gêneros literários. No livro dos Salmos, encontramos salmos especiais de lamento, lamentações comunais, ações de graças, sabedoria; nos evangelhos encontramos narrativa, história de pronunciamento, parábola, declarações de sabedoria, textos messiânicos; nas cartas do Novo Testamento, temos exortação, etc. Pregar a Bíblia com competência é fazer isso com consciência dos gêneros que estão presentes nela.

Para concluir, queremos retomar algumas questões que nos ajudarão a vencer o distanciamento causado pelo aspecto humano. Nada pode vencer esse distanciamento a não ser a aproximação do texto e do contexto originais. E como se faz isso?

  • Faça uma boa leitura de material introdutório aos livros bíblicos, livros de hermenêutica, como A espiral hermenêutica, uma Bíblia interlinear, bons comentários exegéticos e o uso de diferentes traduções.
  • Verifique se você tem os pressupostos corretos, que devem nortear nossa interpretação, como a existência de Deus, a revelação progressiva, a inspiração e a autoridade das Escrituras.

Termino com o lema de Calvino: orare et labutare. Orar, porque a Bíblia é um livro divino. Devemos orar para vencer o distanciamento moral espiritual, que às vezes impedem que cheguemos ao conhecimento verdadeiro da mensagem. E labutar, porque a Bíblia é um livro humano e foi produzida em um determinado contexto por pessoas com uma visão de mundo que já não existe mais. Por isso, devemos usar todos os recursos disponíveis para vencermos esse distanciamento.

A importância da Hermenêutica Bíblica – Parte 1

hermeneutica

Reproduzimos aqui em nosso blog o excelente artigo do Dr. Augustus Nicodemus acerca da importância da hermenêutica bíblica (em duas partes), o qual está publicado na Revista Teologia Brasileira.

Palestra proferida no Seminário Teológico do Betel Brasileiro na ocasião do lançamento da obra: A Espiral Hermenêutica (Edições Vida Nova).

Autor: Augustus Nicodemus Lopes

Fonte: http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=153

Começarei falando da necessidade da hermenêutica bíblica. Como Osborne em seu livro A Espiral Hermenêutica, eu acredito sim que o propósito da hermenêutica é nos levar finalmente à pregação da Palavra de Deus. Contudo, antes de pregarmos, precisamos interpretar as Escrituras. Não é simplesmente abrir a Bíblia e dizer o que ela está dizendo. Nem todo mundo se apercebe do fato de que a leitura de qualquer texto sempre envolve um processo de interpretação. Ou seja, não é possível compreender um texto, qualquer que seja, sem que haja antes um processo interpretativo ― quer esse texto seja um jornal, quer seja a Revista Veja, quer seja a Bíblia.  A leitura sempre envolverá um processo de interpretação ― ainda que esse processo seja inconsciente e nem sempre as pessoas estejam alertas para o fato de que um processo de compreensão está em andamento. A Bíblia é um texto. Ela é a Palavra de Deus, mas ela é um texto. Como tal, ela não foge a essa regra.

Cada vez que abrimos a Bíblia e a lemos procurando entender a mensagem de Deus para anunciá-la em nossa pregação, nos engajamos em um processo de interpretação, de maneira consciente ou não. Como Palavra de Deus, a Bíblia deve ser lida como nenhum outro livro, já que ela é única. Não há outra Palavra de Deus. No entanto, como ela foi escrita por seres humanos, deve ser interpretada como qualquer outro livro. Nesse sentido, a Bíblia se sujeita a regras gerais da hermenêutica e da interpretação, que fazem parte daquilo que é lógico e tem sentido dentro da nossa realidade. Ou seja, quando nós refletimos no fato de que a Bíblia é um texto ― sujeita a regras gerais de interpretação ―, temos um texto que está distante de nós por causa da sua idade, das línguas originais, do diferente contexto cultural. Tudo isso faz com que a leitura da Bíblia requeira um esforço consciente de interpretação. É diferente, por exemplo, de você pegar a Revista Veja ou Estadão e ler. Quando você se aproxima da Bíblia, está se aproximando de um texto antiquíssimo que foi produzido em outro contexto e em línguas, que não são faladas atualmente. Além disso, foi escrito para responder a perguntas que nem sempre são as mesmas perguntas de hoje. Daí a necessidade de interpretação de todo um processo consciente de hermenêutica.

Dessa forma, desejo falar desse fenômeno que nós chamamos de distanciamento, a partir de duas perspectivas. Primeiro, a Bíblia como um texto, como um livro, não caiu pronta do céu — embora se pensasse assim em determinada época. Ela foi escrita por pessoas diferentes, em épocas diferentes, línguas e lugares distintos. Por isso, é um texto distante de nós. Aqui é que entra o que os teóricos da hermenêutica chamam de distanciamento. No caso da Bíblia, esse distanciamento aparece em algumas áreas.

O primeiro distanciamento é o temporal. A Bíblia está distante de nós há muitos séculos. Seguindo a postura do cânon tradicional, o último livro foi escrito por volta do final do século I da Era Cristã. Para os liberais, o último livro teria sido escrito no século II, mas normalmente a data que se atribui é a do final do século I  ― o que, portanto, nos separa temporalmente da Bíblia cerca de 2 milênios. Assim, não devemos pensar que um livro de 2000 anos pode ser lido como quem lê a Revista Época, em que a última edição saiu no sábado passado. Há esse fenômeno do distanciamento temporal, que precisa ser levado em consideração.

Em segundo lugar, há um distanciamento contextual. Os livros da Bíblia foram escritos para atender a determinadas situações. Várias delas já se perderam no passado. Por exemplo, o uso do véu não é um problema nosso aqui no Brasil. O ataque do próprio gnosticismo nas igrejas da Ásia Menor, o contexto de invasão do profeta Habacuque, o propósito de Marcos, a antipatia dos judeus para com os ninivitas na época de Jonas, todas essas situações distintas produziram a literatura que depois se tornou canonizada, e que nós chamamos de Escritura. Várias dessas situações nos são estranhas, não existem hoje. Dessa forma, além de ser um livro que foi escrito há 2000 anos, foi um livro escrito para atender a determinados problemas que não são os mesmos enfrentados hoje.

Em terceiro lugar, há o distanciamento cultural. O mundo que os escritores da Bíblia viveram não existe mais. Ele está em um passado distante, com suas características, sua cosmovisão, seus costumes, tradições e crenças. Nós vivemos hoje em um Brasil de tradição ocidental, influência europeia, americana e uma série de outras influências de um mundo completamente estranho àquele em que viveram os autores do Antigo Testamento e do Novo Testamento.
Em quarto lugar, temos o distanciamento linguístico. As línguas em que a Bíblia foi escrita também não mais existem. Já não se fala mais o hebraico bíblico, o grego koiné ― mesmo nos países onde a Bíblia foi escrita. Então, essas línguas já não são mais faladas ou conhecidas, a não ser através de estudo.

Em quinto lugar, nós temos o distanciamento autorial. Nós devemos ainda reconhecer que teríamos uma compreensão mais exata da mensagem se os autores da Bíblia estivessem vivos. Eu, por exemplo, gostaria de pegar o celular e ligar para Pedro e perguntar para ele o que ele quis dizer quando afirma que Jesus foi pregar aos espíritos em prisão, ou ligar para Paulo e perguntar o que ele quis dizer quando ele fala dos que se batizam pelos mortos, ou ainda o que Mateus quis dizer quando registrou a frase em que Jesus afirma que não cessariam de percorrer todas as cidades de Israel antes que viesse o Filho do homem. Eu gostaria de pegar o celular ou mandar um e-mail para os autores da Bíblia e tirar algumas dúvidas. Isso não é possível a não ser que você seja espírita e faça uma sessão de invocação de mortos.

Portanto, esse distanciamento faz com que os pregadores, antes de qualquer coisa, sejam hermeneutas. Eles têm que ser intérpretes. Eles têm que estar conscientes de que estão transmitindo o sentido de um texto antiquíssimo e distante de nós em uma realidade completamente diferente. É nesse ambiente que nós afirmamos que interpretar é tentar transpor o distanciamento em suas várias formas de chegar ao sentido original do texto ― à intenção do autor ― com o objetivo de transmitir o significado para os dias de hoje. É aqui que reside a tarefa hermenêutica.

Por outro lado, a Bíblia também é um livro divino, e esse fato faz com que também o fenômeno do distanciamento apareça. Por exemplo, o distanciamento natural: a distância entre Deus — o autor último das Escrituras — e nós é imensa. Ele é Senhor, o criador de todas as coisas no céu e na terra. Nós somos suas criaturas imitadas, finitas. A nossa condição de seres humanos impõe limites à nossa capacidade de entender e compreender as coisas de Deus, ainda que reveladas em linguagem humana. Existe um distanciamento natural entre nós e o texto bíblico pelo fato de que ele é a Palavra de Deus, é a revelação de Deus. Ele é “totalmente outro”, a alteridade de Deus. A diferença entre Deus e nós faz com que a sua revelação careça de estudo, de aproximação da maneira certa.

Além do distanciamento natural existe o distanciamento espiritual, porque somos criaturas pecadoras, caídas, e o pecado impõe limites ainda maiores à nossa capacidade de interpretação da Bíblia. É o que nós chamamos de limitações epistemológicas. O pecado afetou não somente a nossa vontade, não somente os nossos desejos, a nossa capacidade de decidir, mas também afetou a nossa capacidade de compreender as coisas de Deus. Isso explica a grande diferença de interpretação que existe entre crentes verdadeiros que estão salvos pela graça de Deus em Cristo Jesus, mas simplesmente não conseguem concordar na interpretação de determinadas passagens.

Há também o distanciamento moral, que é a distância existente entre seres pecadores e egoístas, e a pura e santa Palavra de Deus que nós pretendemos entender e pregar. Essa corrupção acabou introduzindo à interpretação da Bíblia motivações incompatíveis com ela. Por exemplo, a Bíblia já foi usada para: justificar a escravidão; provar que os judeus deveriam ser perseguidos; provar que os judeus deveriam ser defendidos; provar que os protestantes brancos são uma raça superior; executar bruxas; impedir o casamento de padres; justificar o aborto; justificar a eutanásia; justificar e promover os relacionamentos homossexuais; proibir a transfusão de sangue. O catálogo é imenso do que tem sido usado como motivação de agendas diversas e variadas.

Tudo isso evidencia que não é tão simples assim o que a maioria das pessoas pensa sobre “como” pregar a Bíblia.


O Rev Augustus Nicodemus é bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (África do Sul) e doutor em Interpretação Bíblica pelo Westminster Theological Seminary (EUA), com estudos no Seminário Reformado de Kampen (Holanda). Foi professor e diretor do Seminário Presbiteriano do Norte (1985-1991), professor de exegese do Seminário JMC em São Paulo, professor de Novo Testamento do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (1995-2001), pastor da Primeira Igreja Presbiteriana do Recife (1989-1991) e pastor da Igreja Evangélica Suíça de São Paulo (1995-2001).

Uma breve introdução ao Aspecto Verbal no Grego do Novo Testamento

ntg

Autor: Andrew Naselli¹

Tradução: Glairton Santiago²


Livros e artigos sobre aspecto verbal no novo testamento tem sido parte da vanguarda da gramática e sintaxe grega por pelo menos vinte anos. A conversa acelerada com as teses publicadas de Stanley E. Porter e Buist M. Fanning, e no início da década de 1990, por D. A. Carson observou, “Daqui em diante, os tratamentos sobre o sistema verbal no Novo Testamento Grego que não interagirem com Porter e Fanning, estarão fora da discussão atualizada”.  A literatura crescente sobre o aspecto verbal tem validado a observação de Carson, mas apesar dessa quantidade de literatura, isso tem causado um bom grau de agitação, e bolsas de estudo no Novo Testamento deram tempo surpreendentemente longo para integrar avanços no aspecto verbal com os estudos do Novo Testamento. Como este processo de interação se acelera, muitos pastores sábios e professores irão querer se manter informados sobre o aspecto verbal e seu valor prático com relação à pregação e ao ensino.

Este ensaio introduz brevemente o aspecto verbal no Novo Testamento grego. É uma mera introdução explanatória ao aspecto verbal e não uma defesa dele (embora o autor expresse claramente sua postura a seu favor). Com o risco de ser reducionista, este ensaio tenta resumir um esmagador e complexo debate. Ele se destina a pastores e seminaristas com pelo menos alguns anos de estudo do grego, e assume que o leitor não conhece nada sobre o aspecto verbal.

Reconhece-se que não é uma leitura fácil para aqueles que estão tendo um primeiro contato com alguns conceitos e expressões linguísticas, mas vale a pena o investimento de tempo e energia para compreender questões relacionadas à teoria do aspecto verbal.

O SIGNIFICADO DA TEORIA DO ASPECTO VERBAL

A teoria do aspecto verbal faz distinção entre tempo verbal, semântica e pragmática. Semântica se refere ao significado não contextual, que é o significado de um tempo verbal fora de um contexto específico. Pragmático se refere ao significado contextual, que é seu significado em um contexto específico.

De acordo com a teoria do aspecto verbal, a semântica do tempo verbal indica apenas a interpretação subjetiva do autor ou do narrador de uma ação (aspecto), e por outro lado, pragmático indica o objetivo natural (Aktionsart e tempo) da ação.  O aspecto diz respeito a como o autor ou narrador querem que sua audiência vejam uma ação, e Aktionsart diz respeito ao tempo atual ou qualidade de uma ação.

Por exemplo, autores e narradores podem escolher interpretar uma ação com o mesmo verbo tanto no aoristo como no imperfeito. Quando Jesus miraculosamente multiplicou pães para alimentar grande multidão, os sinóticos enfatizam Jesus distribuindo os pães, usando o aoristo para narrar o partir e o imperfeito para a distribuição (ἐδίδου,  δίδωμι) Jo 6.11, entretanto, retrata exatamente a mesma ação diferentemente, escolhendo interpretar a distribuição como um todo usando o aoristo (διέδωκεν, do relacionado αδίδωμι). Em outras palavras, uma vez que os sinóticos e João descrevem exatamente a mesma ação (isto é, a distribuição de pães), com diferentes tempos verbais (isto é, imperfeito e aoristo) uma ação não requer certo tempo verbal. Em vez disso, a distinção é baseada em como o autor ou narrador decidem interpretar uma ação.

Linguistas e gramáticos que aderem à teoria do aspecto verbal não são unanimes em todas as nuances (especialmente com referencia aos tempos verbais no futuro, perfeito e mais-que-perfeito), mas a seguinte distinção entre semântica e pragmática é fundamental: aspectos preocupam-se com a semântica e Aktionsart e tempo com a pragmática. Veja a Tabela 1.

Tabela 1. Aspecto: Semântica::

Aktionsart e tempo: pragmática

Aspecto: Semântica Aktionsart e tempo: Pragmática
Aspecto: a interpretação subjetiva do autor ou falante sobre uma ação. Aktionsart e tempo: o objetivo natural da ação.
Semântica: o significado do tempo verbal fora de um contexto específico. Pragmática: o significado do tempo verbal em um contexto específico.

Por exemplo, em Rm 12.1, Paulo roga aos crentes a apresentarem (παραστῆσαι) seus corpos como um sacrifício vivo e santo. A morfologia de παραστῆσαι é aoristo ativo infinitivo; seu tempo verbal é aoristo. A teoria do aspecto verbal faz distinção entre este tempo verbal semântico e o valor pragmático. (1) Semanticamente, o aoristo indica que Paulo esta descrevendo a ação como um todo. Ele poderia ter escolhido, entretanto, descrever a ação diferentemente, usando um tempo verbal diferente (2) o significado pragmático é baseado num complexo de características contextuais. É falacioso, por exemplo, argumentar que por conta de παραστῆσαι estar no aoristo, a ação se refira a uma dedicação de uma vez por todas.

A Tabela 2 tenta clarificar o significado da teoria do aspecto verbal contrastando-o com outras visões familiares.

Tabela 2. Quatro principais visões dos tempos verbais gregos.

Visão A semântica do tempo verbal Explanação
1. Tempo Tempo absoluto. O tempo verbal gramaticaliza (isto é, indica por sua morfologia) um tempo absoluto (aoristo=tempo passado, presente=tempo presente, etc.).
2. Aktionsart O objetivo natural de uma ação. O tempo verbal gramaticaliza (1) a qualidade ou tipo de ação (isto é, Aktionsart) em todos os verbos e (2) o tempo absoluto em verbos indicativos e o tempo relativo nos particípios.
3. Aspecto para além do tempo. A interpretação subjetiva de uma ação (para além do tempo). O tempo verbal gramaticaliza (1) a forma como o autor ou o narrador interpreta subjetivamente uma ação e (2) o tempo absoluto no modo indicativo e o tempo relativo nos particípios, embora o tempo seja apenas um elemento entre outros como léxico e o contexto em determinado tempo.
4. Aspecto A interpretação subjetiva de uma ação. O tempo verbal gramaticaliza apenas a forma como o autor ou o narrador interpretam subjetivamente uma ação. Eles não gramaticalizam nada sobre o objetivo natural da ação no tempo.

Embora alguns gramáticos definam aspecto e Aktionsart diferentemente, este ensaio usa as definições da Tabela 2, que sublinham a distinção que os linguistas têm mantido no ultimo século, a saber, que Aktionsart vincula o tempo verbal do verbo com seu objetivo natural.

Nos idos de 1800, a primeira visão, tempo absoluto, não era mais a visão da maioria. A segunda, Aktionsart, manteve-se a visão mais ensinada nos seminários e assumida na maioria dos comentários. Eu pessoalmente ensinei alguma combinação da segunda e da terceira visão para os alunos de grego do primeiro e do segundo ano por muitos anos. A Tabela 3 (abaixo) reproduz textualmente uma ajuda fundamental sobre os tempos verbais que eu preparei para os alunos de grego do primeiro ano. É uma combinação das visões dois e três: (1) foca no tipo de ação; (2) explica que “a ação é vista” numa certa maneira,  ao invés de reivindicar que o tempo verbal em si mesmo, indica o objetivo natural da ação.

Tabela 3. Aktionsart/ Aspecto para além do tempo no Indicativo.

Tempo = Momento + Tipo (Tempo indica tempo de ação apenas no modo indicativo)

Tempo momento Tipo Diagrama Explicação Exemplo
Presente Presente Linear, progressivo, continuo. A ação é vista como em progresso. Eu estou estudando.
Imperfeito Passado Eu estava estudando.
Futuro Futuro Simples, indefinido A ação é vista como um todo. ( isso não denota necessariamente ação pontual no tempo) Eu estudarei.
Aoristo Passado

Eu estudei.

Perfeito Passado Completo A ação é vista como completada mas tendo resultados contínuos. Eu tenho estudado.
Mais-que- perfeito Passado Eu tinha estudado.

Contraste a Tabela 3 com a Tabela 4 (abaixo), que representa a quarta visão com a terminologia de Stanley E. Potter.

Tabela 4. Aspectos

Tempo Verbal Aspecto Gramatical Explicação: O autor ou falante vê a ação como…
Aoristo Perfectivo Completo (não necessariamente completada), como um todo.
Presente/ imperfeito Imperfectivo Em processo, contínuo
Perfeito / Mais que perfeito Estativo Um estado de assuntos ou condições

Neste ponto neste ensaio, a definição do aspecto de Potter pode ser mais compreensível. Potter oferece “uma concisa definição do aspecto verbal que está ligado com terminologia linguística:

               Aspecto verbal grego é uma categoria semântica sintética (realizada in forma de verbos) usada em uma rede de sistema de tempos para gramaticalizar a fundamentada escolha subjetiva de concepção do autor em um processo. 

               Em outras palavras Potter oferece mais amigáveis definições que explica sua terminologia linguística.

               Em grego, verbal aspecto é definido como uma categoria semântica (significado) pela qual o autor ou escritor gramaticaliza (i. e. representa um significado pela escolha de uma palavra-forma) uma perspectiva em uma ação pela seleção de uma forma de tempo particular no sistema verbal. As características semânticas (os “significados”) de diferentes aspectos verbais são atribuídas às formas de tempo. Os aspectos verbais são, portanto, baseados morfologicamente (i. e. forma e função são correspondidos). Verbal aspecto é uma característica semântica que atribui diretamente ao uso de um dado tempo verbal em grego. Outros valores – como o tempo – são estabelecidos a nível de unidades conceituais ou gramaticais maiores, como o tempo, parágrafo, preposição, ou até mesmo o discurso. A escolha do aspecto verbal particular (expresso na forma do tempo) reside com o usuário da língua, e é a partir desta perspectiva que a interpretação gramatical do verbo deve começar.

Potter em outro lugar explica que a teoria do aspecto “ afirma que as formas dos tempos verbais são selecionadas pelos usuários da língua não baseados na ação em si, mas baseados em como eles desejam conceber e conceituar uma ação”.

OBJEÇÕES A TEORIA DO ASPECTO VERBAL

Aderentes às visões dois e três na Tabela 2 tem pelo menos três objeções mais importantes à visão quatro (aspecto).

  1. Se a semântica do tempo verbal não gramaticaliza tempo, então o que determina o tempo? Resposta dos aderentes à visão quatro: fatores pragmáticos determinam tempo. Estes incluem léxicos (uma gama semântica básica da palavra ou significado do dicionário), contexto, e especialmente deixis (indicadores temporais como advérbios de tempo ou o fluxo da narrativa). Indicadores deíticos são uma das maiores formas que o Grego indica tempo.
  1. Tanto a formas de tempo presente e imperfeito gramaticalizam o aspecto imperfectivo, e tanto os tempos perfeito e o mais que perfeito gramaticalizam o aspecto estático. Qual, então, é a diferença entre cada par (presente/imperfeito e perfeito/mais-que-perfeito)? Resposta dos aderentes à visão quatro: a distinção fundamental é afastamento, que frequentemente envolve afastamento no tempo, espaço ou ênfase (e.g., plano de fundo e primeiro plano no discurso).
  1. A semântica da forma de tempo futuro não gramaticaliza o tempo futuro? A resposta dos aderentes da visão quatro não é unânime, embora eles concordem que a forma de tempo futuro é anômala. Potter argumenta que a forma de tempo futura gramaticaliza expectativa, que e geralmente futuro-referente. Fanning e Campbell argumentam que a forma de tempo futura é uma exceção e que é propriamente um tempo que gramaticaliza o tempo futuro. Kenneth L. Mckey, que não se enquadra na visão quatro, argumenta que a forma de tempo futura expressa intensão e consequentemente simples futuridade.

A SIGNIFICÂNCIA EXEGÉTICA DA TEORIA DO ASPECTO VERBAL

Considerar a teoria do aspecto verbal leva a uma legitima questão prática: então o que? Ou pondo com mais sofisticação: qual o significado exegético isso tem? Esta é uma questão importante porque o desejo por apurada exegese é frequentemente o que inicia e alimenta discussões como esta.

Abraçando a teoria do aspecto mais do que a Aktionsart (veja dois na Tabela 2) não muda drasticamente as traduções, exegese ou doutrina. Sua significância primaria é que ela muda como alguém expressa (e talvez mais importantemente, como alguém não expressa) um argumento exegético com referência a forma do tempo verbal. É invalido argumentar uma certa forma de tempo necessita um significado pragmático particular.

Por exemplo, a teoria do aspecto verbal implica que é ilegítimo argumentar nestes termos: “Este tempo aoristo em particular (semântica) significa que esta ação foi instantânea ou decisiva (pragmática). ”

Isto confunde a semântica com pragmática e da vazão para muitos significados ao tempo aoristo. Enquanto permanecer alcançando muitas das mesmas distinções como Aktionsart (e.g. uma ação interativa ou ingressiva), a teoria do aspecto adiciona uma perspectiva à exegese dos verbos gregos que é mais matizada, sutil, consistente, e genuinamente explanatória.

Decker explica e ilustra:

                A rede de fatores semânticos compreendida por aspecto, léxico, e Aktionsart, juntamente com outros fatores gramaticais e contextuais. (adjuntos, deixis, etc) é referido neste volume como o complexo verbal. Assim, uma afirmação que “o significado do complexo verbal de x…” deve ser entendido como inclusivo, declaração pragmática (geralmente empregado no nível de clausula) Resumindo o valor semântico total do verbo e seus adjuntos em um contexto particular, incluindo aspecto, léxico, Aktionsart, e fatores contextuais.

               As categorias frequentemente usadas em gramaticas tradicionais (tais como tendencial, gnômico ou interativa) não são apropriadas para qualquer aspecto ou Aktionsart definidos no sentido acima definido. Por exemplo, usando as definições acima não seria correto dizer que διηκόνει(Mark 1:31) é um imperfeito interativo.  Poderia, contudo, ser dito que neste contexto a combinação do aspecto imperfectivo com o léxico de διακονέω (que tem um caráter Aktionsart de atividade) e os fatores contextuais ( a mulher tinha estado acamada) juntos descrevem uma situação interativa. É necessário, na maioria dos casos decifrar estes detalhes; uma referencia abreviada é adequada: a frase καὶ διηκόνει αὐτοῖς descreve uma atividade interativa.

               …Esses termos (como interativo) são relevantes como descrições do complexo verbal, mas não de verbos específicos ou formas especificas de verbos. Esta abordagem… busca equilibrar as contribuições formais e contextuais, forma e função, semântica e pragmática.”

 UMA ESTRATÉGIA SUGERIDA PARA ESTUDAR A TEORIA DO ASPECTO VERBAL

O corpus de trabalhos sobre a teoria do aspecto verbal no NT Grego é inicialmente assustador para aqueles com pequena exposição a ele, mesmo que tenham completado pelo menos dois ou três anos de estudo formal de Grego. É assustador por causa de sua larga quantidade e qualidade técnica. Este permanece o caso mesmo se os pesquisadores se limitarem a apenas os mais significativos trabalhos. Como a teoria do aspecto verbal flui diretamente para fora da linguística moderna, trabalhos em linguística são também significantes para a compreender a teoria do aspecto verbal. Uma estratégia útil para o estudo da teoria do aspecto verbal é ler uma seleção de trabalhos chaves, iniciando com os mais leves, mais elementares leituras e progredindo para os mais pesados, mais avançados. Eu sugeriria a leitura dos seguintes trabalhos (que não concordam completamente uns com os outros) nesta ordem:

  1. Porter, “Greek Grammar and Syntax,” pp. 89–92.
  2. Carson, Exegetical Fallacies, pp. 65–78, 84–85.
  3. Long, “Tense and Aspect,” pp. 60–77.
  4. Picirilli, “Meaning of the Tenses,” pp. 533–55.
  5. McKay, New Syntax, pp. 35–38.
  6. Young, Intermediate New Testament Greek, pp. 105–31.
  7. Porter, Idioms, pp. 20–61.
  8. Wallace, Greek Grammar, pp. 494–586.
  9. Decker, Temporal Deixis, pp. 1–59, 157–98.
  10. Porter and Carson, eds., Biblical Greek Language and Linguistics, pp. 18–82.
  11. Fanning, Verbal Aspect.
  12. Campbell, Verbal Aspect.
  13. Decker, “The Poor Man’s Porter,” Oct. 1994, available at

http://www.ntresources.com/documents/porter.pdf.

  1. Porter, Verbal Aspect.

Eu cometi o erro de ler Verbal Aspect de Potter primeiro, e gostaria fortemente de desencorajar os recém-chegados a fazer isso. Não tendo um solido plano de fundo em linguística, Grego clássico, ou teoria do aspecto verbal, eu descobri que era uma monografia Grega excepcionalmente desafiadora e técnica.

Um trabalho adicional para acrescentar perto do topo da lista acima é  o longo apêndice de D. A. Carson em seu próximo The Epistole of John, que promete ser o primeiro comentário que incorpora completamente a teoria do aspecto verbal. O longo apêndice de Carson em teoria do aspecto verbal vai estar atual com os desenvolvimentos dos estudos no aspecto verbal e pode provar ser a explicação disponível mais acessível.

CONCLUSÃO

Muitos estudos contemporâneos do NT refletem um das três visões do verbo Grego: Aktionsart, aspecto mais tempo, ou aspecto. Aktionsart se refere ao objetivo natural em uma ação, e aspecto se refere ao que o autor ou falante interpreta subjetivamente em uma ação. The anterior preocupa-se com a pragmática e o ultimo com a semântica. O resultado líquido da aplicação da teoria do aspecto verbal não é radicalmente diferentes interpretações. Em vez disso, defensores da teoria do aspecto argumentam, melhora a exegese com o aumento das nuances e a anulação de erros linguísticos comuns.

A questão com a qual os intérpretes do NT devem lutar é: que visão na natureza inteira do sistema verbal Grego tem o melhor poder de explicação? Um crescente número de linguistas e gramáticos do NT Grego estão convencidos que a resposta é a teoria do aspecto verbal.


¹ Andrew Naselli é PhD em Teologia e Exegese do Novo Testamento pelo Trinity Evangelical Divinity School (2010); PhD em Teologia pelo Bob Jones University (2006); MA em Bíblia pelo Bob Jones University (2003); atualmente é professor assistente de Novo Testamento e Teologia Bíblica no  Bethlehem College & Seminary e também é membro da Bethlehem Baptist Church; Ele é adiministrador do Themelios; Trabalhou como pesquisador para D.A Carson (2006-2014).

² Glairton Santiago é bacharelando em Teologia na Escola Teológica Charles Spurgeon.

Dica de leitura!

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Uma excelente dica de leitura para todos que estão buscando aprimorar seus estudos na Escritura é o livro do Dr. D. A. Carson, Os perigos da interpretação bíblica. apesar de ser uma obra antiga – meados de 1980 – o conteúdo nela proposto revela-se bastante atual, salvo algumas ressalvas que apresentaremos a seguir.

O propósito de Carson nesta obra é apresentar uma série de cuidados que todo intérprete das Escrituras deve tomar quando buscar realizar sua exegese. O livro está divido em, resumidamente, cinco partes principais: (1) Falácias Vocabulares, (2) Falácias Gramaticais, (3) Falácias Lógicas, (4) Falácias Históricas e de Pressupostos, e, por fim, (5) tece algumas reflexões acerca dos conteúdos que podem também sofrer com uma má interpretação, gerando falácias interpretativas.

No campo das Falácias Vocabulares, o Dr. Carson busca apresentar, ainda que de modo resumido, as principais falácias ligadas às questões lexicais. Nos campos das Falácias Lógicas, Históricas e de Pressupostos, o Dr. Carson explica com maestria os problemas interpretativos que podem acabar sendo ocasionados quando no estudo desses pontos. Todavia, temos alguma considerações quanto ao campo das Falácias Gramaticais.

Neste campo (Falácias Gramaticais), também compreendido como o campo da análise sintático-discursiva do texto, encontramos uma série de problemas quanto as falácias citadas pelo Dr. Carson, o que acabam por promover outras falácias.

(I) O primeiro problema que identificamos nessa porção é com relação ao entendimento (na época!) do Dr. Carson acerca dos verbos gregos. Na obra, o Dr. Carson argumenta que algumas falácias ocorrem por conta de um entendimento errôneo acerca do sentido dos verbos no texto do Novo Testamento Grego. Ele argumenta que os verbos não somente expressam tempo cronológico, mas também ação, movimento.

Com o avanço dos estudos no Novo Testamento, é sabido que os verbos gregos não expressam (o termo técnico é gramaticalizam) tempo ou ação, mas apenas aspecto (ponto de vista). Quanto as questões de tempo cronológico e ação, deixis temporais e questões contextuais, respectivamente, são utilizados para expressá-los (Em breve colocaremos posts específicos sobre Aspecto Verbal, Deixis Temporal e Aktionsart [ação verbal]). Por conta disso, é importante que o leitor saiba que a argumentação do Dr. Carson está em parte comprometida.

(II) Outro problema está relacionado ao entendimento do Dr. Carson (também na época) das questões modulares dos verbos e particípios, os quais expressam (gramaticalizam) asserção, ou expectação, ou projeção, ou pressuposição (temas que serão abordados posteriormente em nosso blog). Devido a isso, a proposta do Dr. Carson para a condicional de terceira classe torna-se errada.

(III) O Dr. Carson também apresenta (na época do lançamento dessa obra) problemas com relação ao seu entendimento quanto ao uso ou ausência do artigo, e com a regra de Granville-Sharp, a qual ele confunde completamente (temas que também serão tratados posteriormente em nosso blog).


Tomando cuidado com estas questões, recomendamos esta obra maravilhosa do Dr. Carson para todo estudante sério das Escrituras.

Até a próxima!

João Nelson.

Bem vindos!

O New Testament Brazil dá boas vindas aos nossos leitores. Esperamos que vocês possam encontrar aqui as ferramentas e os suportes que precisarem para aprimorar seus estudos nos campos da Hermenêutica, Exegese e Grego do Novo Testamento. Procuraremos manter atualizações constantes acerca dos referidos conteúdos, buscando sempre sugerir onde vocês poderão aprofundar ainda mais seus conhecimentos nos assuntos abordados.

Esperamos que vocês apreciem nossas postagens.

Bons estudos.


ATT,

Equipe técnica: Guilherme Nunes e João Nelson.